Carta aos investidores – 1º trimestre 2021

Caros cotistas,

O primeiro trimestre do ano foi especialmente duro para o Brasil face ao agravamento da pandemia, que apresentou um aumento significativo no número de óbitos e internações e, consequentemente, recrudesceu o isolamento para reduzir a carga no sistema de saúde. Não bastasse esse grande desafio, somaram-se os diversos ruídos vindos de Brasília e a fragilidade do quadro fiscal, fazendo com que nos descolássemos (ainda mais) dos mercados globais que continuam bastante otimistas e com elevada complacência.

Nesta carta, gostaríamos de explorar justamente a diferença de expectativa entre o cenário interno e global, mas também buscar entender o quanto desses cenários estão incorporados nos preços. A percepção da recuperação global, assim como os nossos desafios são tópicos relativamente claros. Entretanto, nosso papel como gestores centra-se em entender onde se encontram as melhores assimetrias, oportunidades e riscos.

O mundo, em especial EUA e Inglaterra, segue com grande otimismo, fruto do resultado da campanha de vacinação e da consequente reabertura das economias que, aliados ao pacote de estímulos monetário e fiscal, devem resultar em um crescimento poucas vezes observado na história.

Desde o início da pandemia, a grande força motriz dos mercados foi a elevada (e sem precedentes na história) injeção de recursos pelos governos, inflando ainda mais o preço dos ativos. Observamos esse movimento com grande cautela, uma vez que entendemos que o fluxo de capitais deve passar por uma significativa reorganização. Enquanto no ciclo de 2008 (pós crise financeira) até 2020 (pandemia) vimos um mercado impulsionado por liquidez e juros baixos em razão de um ambiente com reduzida inflação, o ciclo atual apresenta-se com caraterísticas diferentes e, assim, não nos parece que teremos a mesma dinâmica observada antes da pandemia.

Enxergamos uma piora sensível de assimetria de risco no mercado de ações americano, uma vez que os ativos já refletem em boa medida tal recuperação. Durante o mês de março, os títulos da dívida americana tiveram uma forte desvalorização (aumento da taxa nominal), acarretando uma realização nos ativos de risco, principalmente aqueles com maior crescimento implícito incorporado (ações de crescimento). Entendemos que esse movimento poderá ser mais agudo e estrutural à medida que a inflação comece a ficar mais visível, elevando os juros/custo de capital.

As commodities, tanto metálicas quanto agrícolas, também foram favorecidas por essa dinâmica e acrescentam um ingrediente de risco na inflação global. Esse movimento tem como uma das explicações o fato de a China, como de costume, ter se socorrido de um forte pacote fiscal para mitigar os impactos da crise, desequilibrando o balanço de oferta e demanda das principais commodities. A recuperação já em curso da economia deverá fazer o governo reduzir tais estímulos; e assim os preços desse grupo devem enfrentar alguma resistência nos próximos meses, apesar da recuperação econômica global.

Já no Brasil tivemos um grande revés de expectativas com os novos fechamentos da economia e com a pressão da classe política para gastos em um regime fiscal desafiador. Nossas fraquezas ficaram evidenciadas principalmente no câmbio, que continuou apresentando desvalorizações ao longo do primeiro trimestre, mesmo com a forte alta das commodities. O mesmo aconteceu com a curva de juros, que considera elevações da Selic muito além do “razoável”. A deterioração, a partir desses níveis em que nos encontramos, nos parece possível somente se abandonarmos as regras fiscais vigentes. Não podemos esquecer que provavelmente teremos um 2021 com um dos melhores resultados da balança de pagamentos e recorde na balança comercial – lembrando que o país não tem endividamento em moeda americana.

Nesse contexto, o mercado de ações local também se desconectou dos mercados globais. Embora alguns poucos nomes tenham apresentado altas expressivas – boa parte das companhias ligadas ao ciclo de commodities e ao dólar -, em geral as ações tiveram um desempenho fraco.

Apesar dos enormes desafios apresentados, quando olhamos as companhias em detalhe, vemos que o balanço das empresas listadas, de uma forma geral, nunca esteve tão saudável, pois grande parte delas se aproveitou dessa janela recente de liquidez do mercado de capitais para se capitalizar. Outro ponto importante que vale chamar atenção é que que as ações brasileiras estão baratas, tanto sob a ótica absoluta quanto relativa.

No Brasil, a descrença com o cenário político e a falta de perspectiva de reformas colocaram a bolsa brasileira com grande desconto, apesar da boa saúde financeira das companhias e uma recuperação cíclica contratada. Nossa moeda teve uma depreciação que já embute, em boa medida, os riscos fiscais e nos mostra uma boa relação risco x retorno.

Em resumo, encontramos uma grande dicotomia entre cenário e preço, quando confrontamos o mundo, em especial os EUA, e o Brasil. Nos EUA, a trajetória de recuperação é sólida e cristalina, e os ativos estão precificados quase à perfeição, não incorporando os diversos riscos associados. Enquanto isso, no ambiente doméstico, nossa leitura é de que uma série de riscos já estão embutidos nos preços, embora o nosso desafio fiscal seja significativo.

Adicionalmente, não podemos perder de vista o impacto a longo prazo gerado pelos enormes incentivos e seus efeitos na dinâmica de alocação de capitais globalmente.

Atenciosamente,

Moat Capital

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