Carta aos investidores – 4º trimestre 2022

Caros cotistas, 

O ano de 2022 foi marcado por uma série de eventos relevantes que consolidaram a mudança de ciclo econômico global após anos de farta liquidez e juros extremamente baixos. No lado doméstico, observamos uma reversão abrupta das expectativas e a eminente e aguardada queda de juros foi praticamente descartada pelo mercado, retardando a precificação do início do afrouxamento monetário. O aperto monetário global deverá seguir seu curso ao longo de 2023 junto com a desaceleração da economia. 

Nos Estados Unidos, avançamos no ciclo e estamos muito próximos do fim da elevação de juros. Embora o pânico com a inflação comece a se dissipar, os tempos de juros baixos e crescimento elevado ficaram para trás. Os investidores esperam uma recessão tímida dada a resiliência do mercado de trabalho e elevada poupança interna. Porém, tememos que o contínuo enxugamento de liquidez dos bancos centrais e o efeito dos juros mais altos possam levar a uma desaceleração mais acelerada. Se antes, dados negativos de crescimento impulsionavam os preços, uma vez que a leitura era que o aperto monetário seria menor. Agora, a reação é diferente, pois os investidores ficam receosos sobre uma desaceleração mais profunda da atividade. Este ambiente pode gerar novas revisões nas expectativas de lucro das empresas americanas o que nos deixa com uma visão de assimetria negativa para esta classe. 

Na China, com a reversão das políticas de controle da covid, espera-se que a economia volte a acelerar. Junto com a reabertura, o governo adotou medidas monetárias e regulatórias para estimular a atividade. Os preços das ações e algumas commodities reagiram antecipadamente a esses eventos e ainda não constatamos com números a esperada retomada. Entretanto, vale ressaltar que a China é um dos principais parceiros comerciais do mundo ocidental, assim não deve ficar completamente blindada ante a uma desaceleração global.

Os fatores que contribuíram para um ambiente de crescimento com inflação controlada nas últimas décadas, tais como avanço tecnológico, globalização e energia abundante a um baixo custo, não se encontram mais presentes. A Guerra Rússia-Ucrânia e o ambiente competitivo entre China e EUA interromperam dois desses três grandes fatores. 

Nesse contexto, vemos o Brasil bem posicionado, uma vez que contamos com uma generosa matriz energética, em expansão e à preços competitivos. Somos o principal produtor de diversas commodities agrícolas e geograficamente estamos longe dos grandes conflitos geopolíticos. Temos, portanto, grandes oportunidades de desenvolvimento caso consigamos endereçar nossos desafios internos.

Observamos uma reação muito forte dos mercados com os sinais do governo eleito sobre a condução, e falta de clareza, da política econômica do país, ficando evidenciado no comportamento dos ativos, principalmente em termos relativos com o mundo. Se não bastasse os sinais negativos, a percepção dos agentes econômicos de que o congresso não seria capaz de frear medidas heterodoxas, o que não concordamos, gerou uma pressão adicional nos preços.  

O mercado de ações brasileiro foi naturalmente refém deste ambiente. As companhias ligadas à atividade doméstica, sensíveis à curva de juros, foram fortemente impactadas em razão da perspectiva de prolongamento do prazo de juros elevados, assim como pela perspectiva de desaceleração da economia, já percebida no último trimestre do ano.  

No entanto, apesar do voluntarismo do novo governo, repleto de ideias antagônicas à última gestão, precisamos separar o discurso do que é factível. É importante compreendermos que o político tem um timing diferente do agente financeiro. Por pior que tenham sido as sinalizações e o noticiário até aqui, entendemos ser baixa a probabilidade de retrocesso em reformas estruturais importantes, tais como reforma da previdência, trabalhista ou independência do banco central. 

Vemos com certo ceticismo essa caminhada em direção às políticas que já foram comprovadamente fracassadas em governos anteriores. O debate fiscal no Brasil melhorou de qualidade após as reformas, a sociedade já não é avessa a privatizações e, apesar dos inúmeros benefícios fiscais, os empresários estão mais organizados. Portanto, entendemos que há um custo político elevado em matérias já pacificadas pelo Congresso. 

A reforma tributária, um assunto de extrema importância tanto no aspecto macro, por parte da arrecadação, quanto no micro, devido ao impacto em empresas, parece estar pronta para ser debatida em 2023, apesar da dificuldade decorrente da quantidade de grupos de interesse e da complexidade do modelo atual. Já há avanços na discussão sobre temas como o fim dos juros sobre capital próprio e a tributação de dividendos.

Encerramos o ano passado com uma foto da economia bem satisfatória, crescimento próximo de 3%, inflação desacelerando e superávit primário ao redor de 1% do PIB. Isto é, o carrego está positivo e a reversão desse quadro foi precificada e perpetuada pelo mercado. 

Atualmente, as ações brasileiras, com exceção das cíclicas globais dado o ciclo de commodities, negociam com descontos relevantes em seus múltiplos históricos, já levando em consideração o forte aumento do custo de capital e uma revisão para baixo nas estimativas de lucro. Os preços sinalizam um cenário onde não haverá corte de juros nem crescimento real dos lucros, o que nos parece pouco provável mesmo diante de um cenário incerto. 

Outro ponto que interpretamos com mais otimismo refere-se ao nível elevado do juro real no Brasil. Se por um lado eleva o custo de capital, tornando a vida das empresas mais difícil, por outro, ancora o câmbio e ajuda a controlar a expectativa de inflação dando condições para cortes de juros adiante desde que não ocorra um desarranjo fiscal.

Na última carta vimos que a assimetria de risco não era tão favorável e mesmo assim sofremos perdas muito acima do que imaginávamos. Apesar da piora do cenário macroeconômico entendemos que os preços sugerem um ambiente de completa disfuncionalidade da economia o que não nos parece razoável. Não podemos também ignorar o ciclo global, que com o crescimento no preço de algumas commodities, pode ser determinante no comportamento dos mercados domésticos.

A rentabilidade obtida no passado não representa garantia de resultados futuros. Os investimentos em fundos não são garantidos pelo administrador ou por qualquer mecanismo de seguro ou, ainda, pelo fundo garantidor de crédito. Para maiores informações acessar o site www.moat.com.br 

Nota: a Moat Capital Gestão de Recursos Ltda informa que encerrou as posições de todos os seus fundos em ações ordinárias das Lojas Americanas em 16/01/2023. Ressaltamos, mais uma vez, que faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para garantir e resguardar nossos direitos pelas perdas enquanto éramos acionistas minoritários.

 

Atenciosamente
Moat Capital

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