Carta aos investidores – 3º trimestre 2020

Caros cotistas,

Chegamos ao final do 3º trimestre e após 4 meses de expressivas altas (de abril à julho), o mercado de ações brasileiro apresentou uma forte correção, descolando-se dos seus pares, com um dos piores desempenhos do trimestre.

O principal debate entre os agentes de mercado é sobre a sustentabilidade fiscal do país. O Brasil enfrentou a pandemia elevando fortemente o gasto público com o objetivo de minimizar os impactos socioeconômicos. Agora, entendendo que estamos próximos do fim, ou ao menos de uma situação mais controlada da epidemia, fruto de tratamentos e vacinas, chegou o momento de lidar com as consequências desse movimento fiscal.

Atualmente, o teto dos gastos é o principal fator de ancoragem dos juros de longo prazo. À medida que os poderes legislativo e executivo dão sinais dúbios sobre os rumos da condução fiscal, os mercados reagem negativamente elevando o custo de capital e, consequentemente, exigindo maior prêmio para os ativos de risco.

Do lado positivo, observamos uma recuperação econômica sólida e forte. Tanto os indicadores macro, como produção industrial, consumo e crédito, quanto os indicadores setoriais que acompanhamos, sinalizam que o 3º trimestre apresentou uma notável recuperação da atividade, até mesmo nos setores mais atingidos pela pandemia.

Há sempre o argumento de que a melhora econômica é devida aos estímulos governamentais e que sua duração é curta e, portanto, a melhora não será sustentável. Entretanto, podemos contra-argumentar com o fato de que muitas atividades ainda não estão funcionando a plena capacidade e a economia ainda está em processo de reabertura.

Entre crescimento e custo de capital, este último vem prevalecendo na precificação da bolsa, uma vez que apesar do juro de curto prazo estar em 2% a.a., observamos uma significativa correção na curva de longo prazo. O preço atual dos ativos nos diz que que o país não apresentará crescimento, fato este de que discordamos, sendo justamente onde enxergamos uma assimetria muito interessante.

Após o choque da pandemia, os países entraram em um regime fiscal expansionista e os Banco Centrais do mundo reduziram os juros para zero ou em níveis muito baixos, como abordado na última carta. A “novidade” foi que as autoridades monetárias vêm salientando que esse patamar deve durar por um prazo longo. Portanto, ainda que o desafio fiscal brasileiro demande uma maior taxa de juros para a rolagem da dívida, ainda assim seguimos com juros historicamente muito reduzidos. O Brasil irá vivenciar um período suficientemente longo de taxas de juros reais negativas, o que deve propiciar um crescimento significativo. Enxergamos que a bolsa brasileira, nos preços atuais, sugere que haverá um abandono do teto dos gastos e que assistiremos a um crescimento muito baixo adiante. Assim, entendemos que há uma assimetria de preços tamanha que pode ser comparada ao final do ciclo de 2015.

Ao longo do trimestre, se consolidou também uma discrepância de comportamento entre os setores da bolsa, onde os mais beneficiados pela pandemia, como comércio eletrônico, software e tecnologia, se destacaram, crescendo com velocidade superior às taxas que vinham apresentando antes da crise. Essas empresas estão com prêmios cada vez maiores, diminuindo o retorno futuro esperado. Já em contrapartida, os setores mais afetados, como serviços, companhias aéreas, turismo, vestuário e propriedades comerciais, além de terem sido severamente afetados, também sofreram um impacto grande nos preços, aumentando o retorno esperado.

É justamente neste ponto que gostaríamos de destacar que a maioria dos ativos em bolsa no Brasil se encaixa predominantemente na categoria dos ativos que perderam prêmio. Os bancos e boa parte das produtoras de commodities perfazem cerca de 50% do índice Bovespa.

Paradoxalmente, a bolsa brasileira apresentou performance no mundo neste trimestre, mas registrou R$ 94bi de ofertas este ano, não considerando neste montante todas as ofertas secundárias lideradas principalmente pelo BNDES que vem desinvestindo sua extensa carteira de ações.

No campo dos riscos, vemos que tanto a economia mundial quanto, especialmente, a brasileira estão muito mais sujeitas a eventuais choques que no passado. Levaremos tempo até digerir todo o empenho fiscal realizado neste ano.

O mundo segue bastante incerto. Especialmente as eleições americanas, ainda indefinidas, podem trazer mudanças diretas na precificação de ativos, seja através de elevação de impostos ou, especificamente para o Brasil, de novos capítulos na relação Estados Unidos e China.

Em resumo, nossa opinião é que os preços dos ativos brasileiros embutem uma alta significativa dos juros e incorporam um crescimento implícito muito baixo nos setores de valor que foram mais afetados pela pandemia, tornando a tomada de risco para ativos de bolsa bastante atrativa, ainda que o ambiente se pareça incerto no curto prazo.

A rentabilidade obtida no passado não representa garantia de resultados futuros. Os investimentos em fundos não são garantidos pelo administrador ou por qualquer mecanismo de seguro ou, ainda, pelo fundo garantidor de crédito.

Atenciosamente,

Moat Capital

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