Carta aos investidores – 2º trimestre 2021

Caros cotistas,

O primeiro semestre de 2021 se encerra com uma forte valorização dos ativos de risco, em especial nos mercados de ações americano/europeu e nas commodities, fruto de uma perspectiva de reabertura mais ampla em economias com a vacinação já avançada.

Se em nossa última carta manifestamos nosso desconforto com os preços vis-à-vis os riscos embutidos, resultado de uma política de estímulos fiscal e monetário sem precedentes na história, podemos dizer que nossa inquietude se agravou, uma vez que essa dinâmica vem acentuando as distorções nos preços.

Entendemos que este ciclo, que se retroalimenta, encontra-se em um patamar perigoso. O excesso de liquidez impulsiona os mercados em razão do investidor ter o juro real negativo como alternativa aos ativos de risco. Consequentemente, o aumento da demanda por papéis de maior risco acarreta um retorno esperado menor. Assim, a assimetria dos mercados globais torna-se cada vez pior.

Apesar de podermos detectar fatores temporários para a inflação, como o forte crescimento, fruto da reabertura, e a desorganização das cadeias de valor, entendemos que há elementos para não classificá-la como transitória. Enxergamos um risco crescente de escalada de preços, a ponto de mudar a política monetária americana, tendo grandes consequências na formação de preços, uma vez que elevaria o custo de capital de forma estrutural.

Em contrapartida, a desaceleração da economia na China, que está à frente do mundo no processo de reabertura, coloca em xeque a continuidade do crescimento, levantando a questão sobre já estarmos vivenciando o pico deste ciclo. A retomada da China, que também se calcou em grandes estímulos, elevou a demanda de muitas commodities, ainda em um momento de restrições de oferta. De forma geral, as matérias-primas devem se ajustar no decorrer dos próximos trimestres, a partir da normalização das cadeias e com o arrefecimento do crescimento.

Nesse contexto, em que há uma linha tênue entre inflação e desaceleração de crescimento, entendemos que o mercado está subestimando os riscos de médio e longo prazos.

O Brasil se descolou dessa dinâmica global de preços e apresentou uma recuperação mais tardia de crescimento. Devemos encerrar a vacinação da população adulta no 3º trimestre, sendo esperada uma forte aceleração da economia, especialmente, no setor de serviços, o que impactará positivamente a lucratividade das empresas. Dessa forma, entendemos que a assimetria no mercado de ações brasileiro é positiva.

Outros aspectos que também contribuíram para nosso desconto em relação ao mundo, apesar do bom desempenho econômico do país, foram os elevados riscos fiscal e político, assim como a postura mais conservadora do Banco Central na condução da política monetária.

Vale ressaltar que, apesar da alta de curto prazo, o juro estrutural no Brasil ainda seguirá em um patamar mais baixo que o dos últimos ciclos, favorecendo uma conjuntura mais favorável à lucratividade das empresas, haja visto o custo de capital menor.

Outro aspecto favorável à saúde financeira das companhias é o nível recorde de ofertas, o que reforça seus balanços (além de aumentar a quantidade e representatividade de empresas no mercado, o que é excelente para o longo prazo).

Gostaríamos de aproveitar a oportunidade para destacar a grande divergência existente entre dois grupos na Bolsa: empresas que estão em ritmo acelerado de crescimento (com menor geração de caixa no curto prazo) e companhias geradoras de caixa (empresas mais maduras). O mercado incorpora, cada vez mais, expectativas otimistas de crescimento ao primeiro grupo, enquanto as empresas mais estáveis perderam múltiplos, oferecendo taxas de retorno consideravelmente elevadas. Seguimos preferindo este último grupo em nossos portfólios.

Apesar das evidências de final de ciclo do mercado global (inflação elevada, crescimento marginal mais baixo e possível aumento do custo de capital), entendemos que, no Brasil, nossa dinâmica de longo prazo ainda é favorável, o que nos permite (ousar) afirmar que estamos em outro ciclo – com o devido respeito à importância da dinâmica global no mercado doméstico.

Assim, seguimos confortáveis com os preços das ações localmente, especialmente daquelas relacionadas ao ciclo doméstico.

Atenciosamente,

Moat Capital

Publicações Moat