Carta aos Cotistas – 1º Semestre de 2025
Prezados cotistas,
O ano de 2025 trouxe mudanças estruturais significativas para o mercado de capitais, que começaram a se refletir nos preços dos ativos já no primeiro semestre. A troca de governo nos EUA resultou em uma nova abordagem de política externa e na redefinição das relações bilaterais com diversos países.
Nos últimos quatro anos, temos enfatizado que o desempenho insatisfatório dos ativos brasileiros decorre de uma combinação de fatores internos e externos. No âmbito externo, o principal elemento era a valorização do dólar frente a quase todas as moedas do mundo. Neste semestre, observamos a mais intensa desvalorização do dólar desde 1972. Entendemos que essa mudança é estrutural e parece fazer parte de uma estratégia deliberada do próprio governo norte-americano, voltada à transição para um novo modelo econômico. Ainda que não formalmente anunciado, o chamado “Acordo de Mar-a-Lago” parece estar sendo implementado, conforme indicam as ações dos principais agentes políticos.
Mesmo com a contínua e acelerada deterioração das contas públicas doméstica, os ativos locais apresentaram desempenho positivo. Em termos absolutos, a bolsa subiu 15%, o real se valorizou 10% e a curva de juros de longo prazo perdeu cerca de 200 pontos-base. Quando observamos o desempenho sob a ótica global, vemos que outros países latino-americanos e emergentes também se beneficiaram, sugerindo que o principal motor desse movimento foi o realinhamento externo — e não méritos exclusivamente domésticos.
Outro fator que contribuiu para a desvalorização do dólar foi a postura do governo americano em postergar ajustes fiscais. A aprovação do orçamento conhecido como “Big Beautiful Bill” manteve o déficit elevado e aumentou as preocupações com a sustentabilidade fiscal dos EUA. A ideia de que o excepcionalismo americano se encerrou ganha força enquanto esse desequilíbrio persistir. O plano do atual governo prevê redução de impostos (com consequente queda de receita) e manutenção de gastos elevados para estimular o crescimento econômico — estratégia que remete ao Plano Marshall pós-Segunda Guerra. Nesse contexto, a impressão de moeda continua elevada e os déficits são financiados na expectativa de que o crescimento futuro compense os desequilíbrios atuais. A economia americana segue aquecida, impulsionada especialmente pelos investimentos em inteligência artificial (IA), com poucos sinais de desaceleração.
O mercado tem como premissas um crescimento mais robusto e inflação mais elevada à frente. Isso explica a postura do Federal Reserve, que mantém os juros em níveis elevados até que surjam evidências mais consistentes de desaceleração econômica ou de queda mais acentuada da inflação. Os índices da bolsa americana seguem próximos às máximas históricas, refletindo a aposta na continuidade de um modelo baseado em elevado gasto fiscal e, principalmente, pela inovação em IA.
No Brasil, seguimos estressando o modelo de crescimento baseado em impulso fiscal, ainda que em meio a uma confiança muito baixa por parte dos agentes econômicos. A taxa Selic atingiu 15% a.a. —remédio amargo desse modelo expansionista. Ainda assim, a economia segue estimulada por diversos programas de injeção de recursos. Para se ter uma ideia da magnitude desse estímulo, os gastos públicos reais cresceram 9,9% nos dois primeiros anos deste governo, patamar difícil de se sustentar no médio prazo. O desemprego se encontra no menor nível dos últimos anos e o PIB cresce perto de 3% ao ano, mas esses indicadores positivos não se traduzem em popularidade: o governo segue impopular e tem seu favoritismo colocado em xeque para as eleições de 2026.
Esse cenário guarda semelhanças com os EUA, onde indicadores econômicos sólidos também não impediram uma grande insatisfação popular — o que acabou impulsionando a candidatura de Donald Trump. Assim, o principal vetor de médio prazo para os investimentos no Brasil será o processo eleitoral de outubro de 2026. Hoje, o mercado precifica dois cenários bastante distintos, mas a eventual continuidade do atual governo tende a elevar o custo político de apoio e reduzir sua probabilidade de sucesso.
Para os próximos trimestres, vemos riscos de desaceleração da atividade econômica devido ao aperto monetário excessivo. A taxa de juros real próxima a 10% a.a. é insustentável, especialmente em um ambiente externo mais benigno, com dólar mais fraco e inflação em queda. Por isso, acreditamos que estamos próximos de um ciclo de corte de juros, que deve ocorrer apesar da frágil situação fiscal. Haverá, nesse sentido, uma espécie de “cabo de guerra” entre possíveis revisões negativas de lucro das empresas e, em contrapartida, o alívio da política monetária — potencialmente impulsionado por uma eventual mudança de governo.
Atualmente, os ativos brasileiros seguem negociando com elevado desconto, tanto em termos absolutos — com altas taxas implícitas de retorno real — quanto relativos, seja em comparação ao histórico, seja em relação a outros emergentes. O cenário externo favorável, a expectativa de início de flexibilização monetária e os valuations descontados nos colocam diante de uma oportunidade com elevada assimetria positiva.
Entre os principais riscos para esse cenário, destacam-se uma eventual reversão nas expectativas eleitorais, que aumentaria a probabilidade de continuidade de um governo com baixa aderência à responsabilidade fiscal, e uma possível deterioração do ambiente externo, marcada por desaceleração da atividade global e queda nos preços das commodities. Seguimos atentos à evolução desses fatores, com foco na preservação do capital e na captura das oportunidades que podem surgir neste novo ciclo de realinhamento global.
Atenciosamente,
Moat Capital