Carta aos investidores – 4º trimestre 2024
Caros cotistas,
O ano de 2024 terminou de forma muito negativa para os mercados no Brasil. Desde o final de novembro, quando o anúncio do pacote fiscal se transformou em uma bomba fiscal com a ênfase nas isenções do imposto de renda, as expectativas do mercado se transformaram radicalmente. Em um espaço de 30 dias, o pouco de credibilidade que havia na equipe econômica se exauriu gerando uma crise de confiança com implicações negativas para o mercado de ações.
O BC entendendo o risco fiscal deu início a um choque de juros sinalizando um aperto monetário ainda mais forte, que não produziu o efeito esperado no câmbio, e tampouco na curva de juros. Assim entramos numa espiral bastante negativa dos ativos e das expectativas. Foram poucos os momentos nos últimos anos em que observamos uma deterioração tão grande nas expectativas de mercado, podendo citar a grande crise global de 2008, o impeachment de 2016 e a Covid em 2020.
O juro longo no Brasil subiu de 11% para próximo de 15%a.a. ao longo do ano passado, o que acarretou uma redução do horizonte de investimento dos agentes, elevando de forma acentuada o desconto das companhias – muito acima do que imaginávamos. Apesar do choque na curva de juros, neste ciclo diversas empresas vêm apresentando baixa alavancagem, margens elevadas e investimento (capex) menor, o que ajuda na geração de caixa.
Diferente de outros momentos, os impactos dessa crise fiscal, e sobretudo de confiança, ainda não foram sentidos pela economia o que esperamos que aconteça ao longo de 2025. No entanto, salvo um grande choque externo, devemos seguir a mesma dinâmica dos últimos dois anos, isto é, grandes transferências de renda do governo para baixa renda, esforço fiscal limitado e política monetária restritiva com a Selic se aproximando de 15%a.a.
A maior parte do pessimismo é justificada pelo fato de termos um governo com pouco comprometimento com a saúde das contas públicas, ainda mais com a proximidade das eleições. Não obstante, os investidores têm um grande temor da manutenção dessa dinâmica em caso de vitória do governo em 2026. Soma-se a isso, a ausência de senso de urgência do legislativo e dos empresários.
Não há dúvidas que os preços das companhias se encontram em patamares muito descontados sob qualquer ótica. Entretanto, o mercado não consegue enxergar qualquer catalisador em um horizonte de curto prazo que possa quebrar essa espiral negativa. Um dos poucos fatores que poderia mudar a percepção dos agentes seria uma troca de governo nas próximas eleições, condição esta ainda difícil de ser mensurada dada a grande especulação sobre quem seria o candidato da oposição.
Paradoxalmente, o ano de 2025 deverá ser um período de enormes desafios ao governo, em especial com a provável aceleração da inflação, especificamente de alimentos, que costuma gerar mais desgaste na popularidade. Caso esse cenário se confirme as chances de troca de comando no planalto aumentariam e o prêmio de risco reduziria.
O governo se colocou numa situação de difícil solução. Sua baixa propensão em reconhecer e discutir o problema fiscal leva à taxa de juros mais restritivas e inflação, desgastando sua imagem, e consequentemente, dificultando sua permanência após 2026. Ao mesmo tempo, medidas na direção correta trariam um enorme alívio para as taxas de juros e preços dos ativos, mas iriam contra suas convicções.
Independentemente de como será o desfecho dessa crise, a inflação parece ser uma provável saída, o que reforça a alocação em determinadas companhias da bolsa. As mais beneficiadas são aquelas com capacidade de repasse de preços, uma vez que oferecem uma proteção maior que a renda fixa.
O quadro externo também não foi favorável ao Brasil e aos países emergentes. A consolidação da vitória de Donald Trump no senado e no congresso fortaleceu ainda mais o dólar frente a outras moedas. Sua política mais avessa a impostos e favorável a tarifas de importação também contribuíram para elevação dos juros de longo prazo nos EUA. A continuidade do status quo dos últimos anos, isto é, crescimento americano maior que o resto do mundo, com juros mais elevados, deixaram o mercado mais avesso à emergentes.
Gostaríamos de chamar a atenção para 4 pontos importantes nesse início de mandato de Donald Trump que devem trazer repercussões globalmente: imigração, desregulamentação, tarifas e impostos. O mercado atualmente precifica uma aceleração da inflação e juros mais elevados. Realmente, tanto as tarifas de importação quanto a política de imigração pressionam a inflação, entretanto, a desregulamentação e redução de impostos são forças contrárias que devem contribuir para amenizar os efeitos dos dois primeiros pontos.
A redução de gastos e consequente queda do déficit primário americano também são pontos que já destacamos e que podem atuar contra o crescimento no curto prazo, impulsionado pelos gastos do governo. Ao contrário do mercado brasileiro, o patamar atual de preços da bolsa americana não permite uma decepção no crescimento dos lucros, já que incorporam um importante aumento em 2025.
Identificamos dois riscos grandes a serem monitorados que podem mudar a dinâmica atual no Brasil, o primeiro é uma queda mais relevante nos preços das commodities, em especial do petróleo, que piore sensivelmente as contas externas e o balanço de pagamentos gerando mais stress nas já combalidas contas públicas. Outro risco, que ainda consideramos baixo, é de retrocessos institucionais como a fragilidade das relações entre judiciário e legislativo, relação ruidosa do governo com as forças armadas, independência do BC, e por fim, controle de capitais como visto em crises passadas em economias governadas por governos populistas. Estes temas que antes eram considerados improváveis, hoje são discutidoselos agentes de mercado e impactam os preços. Ao mesmo tempo, geram uma grande oportunidade.
Não temos dúvida que alargando a perspectiva de prazo, vemos uma grande distorção de preço e valor na alocação de ações e uma rara oportunidade histórica. Atualmente, a maioria absoluta dos investidores estão “jogando a toalha” do mercado de ações, dado o alto custo de capital, performance dos últimos anos, e por não enxergar qualquer possibilidade de mudança de rota ou melhora externa. Geralmente nunca sabemos qual será o catalizador da melhora, reconhecendo-o somente após a reação do mercado.